sexta-feira, fevereiro 04, 2011

José e Pilar, uma história de vida e de amor




«Era uma vez um homem que viajava pelo mundo e queria viver para continuar a escrever. Era uma vez uma mulher que empurrou este homem para a vida. Era uma vez um elefante que viajava pelo mundo sem saber porquê. Era uma vez um realizador que quis fazer um documentário sobre a intimidade de Saramago e de Pilar e acabou a fazer um filme sobre a vida.» [In Ana Margarida de Carvalho]


Num universo fora do âmbito profissional não costumo fazer críticas literárias nem cinematográficas, pelo menos não extensivas e escritas. Costumo escrever opiniões curtas ou frases onomatopeicas de deleite ou desilusão, revolta, etc.
Nunca me fizeram muito sentido, pois o que retiro dos livros e dos filmes [ou eles me oferecem] fica escrito no meu coração e nem sempre tenho palavras para descrever esses textos cravados em mim. Mas este documentário acerca do Saramago e da Pilar na fase em que escrevia “A viagem do elefante” fez-me chorar baba e ranho, por isso, pelo quanto me sensibilizou decidi escrever sobre ele. Não será uma crítica nem um resumo, pois não quero estragar a beleza do filme a quem ainda não o viu. Será mais uma descrição de como o meu olhar o sentiu.

«Nos encontraremos en otro sitio.»
É com esta frase que o filme começa e acaba e eu chorei ao ouvi-la, tanto na primeira como na última vez.


‘José e Pilar’ retrata a vida e a relação entre José Saramago e Pilar del Río. Mostra-nos o dia-a-dia do casal em Lanzarote, na sua casa, em Lisboa e no turbilhão de viagens por todo o mundo.
O filme foi realizado por Miguel Gonçalves Mendes e co-produzido pelos irmãos Almodóvar (El Deseo) e o director brasileiro Fernando Meirelles. Aqui vemos não só uma possível visão de uma fase da vida de Saramago, bem como “o José” de Saramago, e a Pilar del Río que foi definitivamente o seu pilar, como ele próprio lhe diz numa dedicatória num dos seus livros. É absolutamente envolvente a forma como tão bem se demonstra que eles viviam entrelaçados, como aqueles ramos de algumas árvores que se abraçam e apesar de existirem separados, a harmonia provém deles juntos. Uma passagem bonita do filme relacionada com este aspecto é uma parte em que inauguram uma rua, na sua terra natal Azinhaga, que cruza com a já existente José Saramago, com o nome de Pilar del Río. Pilar, que recebeu uma réplica da placa, expressou o seu desejo de que «todos os enamorados do Mundo se encontrem e dêem um beijo nesta esquina».
De facto eu concordo com a parte em que se diz que existiram dois Saramagos, um antes de Pilar e outro depois de Pilar, ou como ele disse: «A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar».

Existe uma enorme polémica devido ao facto de ele ter sido comunista e bastante duro aquando da sua vida por Portugal. Creio que, possivelmente, muitas pessoas o etiquetaram de “comuna arrogante, antipático e inacessível” e confesso que eu também tinha essa opinião quando me iniciei nas leituras dele. Separava o homem do escritor, porque, pensava eu, não gostava da pessoa que era o escritor, mas sim das suas histórias. Ao longo dos anos fui-me formando acerca dele, fui lendo umas coisas aqui, vendo outras ali e comecei a admirá-lo também como pessoa. Dói-me a alma porque se foi e senti uma sensação de vazio, abandono, tristeza no dia da sua morte.

E Pilar? Como será a vida de Pilar agora? A mulher cheia de garra, força, determinação. Uma mulher admirável, sem qualquer dúvida.

O amor deles não era cor de rosa, era real e o amor é mesmo assim, não é perfeito mas deve “funcionar” na perfeição. É dessa harmonia, desse equilíbrio – «Lanzarote me da aire, y Pilar, equilibrio…» (JS) – que nasce a felicidade de um casal. E eles formavam um casal e tanto. Se era fácil? Não acredito, mas eles faziam parecer que sim. Aquando da rodagem do filme ocorre-lhe a Saramago uma frase de uma beleza impressionante e chama por Pilar, diz-lhe que venha para junto dele que acabou de criar uma frase linda –«Yo tengo ideas para novelas, y ella tiene ideas para la vida, y yo no sé qué es lo más importante.»– ao que Pilar responde que as ideias para a vida são mais importantes, como já seria de esperar da parte dela. Ri-me tanto. A franqueza dela podia ter destruído aquele momento tão belo, mas não destruiu. Eles amavam-se tanto e isso nada podia destruir, nem a morte, nem um deus em que não acreditavam/acredita.
Há uma parte do documentário em que num fundo escuro se ouvem as suas vozes em tom de quem recita poemas ou declara o seu amor eterno e eles dizem: «Pilar, Pilar, Pilar, Pilar, Pilar…» / «José, José, José…» E a simples repetição, o tom de voz de ambos fez-me rebentar em lágrimas de novo.
Ao longo do filme ouve-se inúmeras vezes José a chamar por Pilar, uma delas no hospital num momento em que ela não estava. É como se ele já não existisse sem ela, e, mesmo quando fala da morte a sua maior pena é não poder passar mais tempo com ela. Classificando também esse amor como a sua possível salvação: «A nossa única defesa contra a morte é o amor».
Mais tarde chega mesmo a agradecer-lhe: «A Pilar, que não me deixou morrer».

É possível um génio ser tão simples e enternecedor?
Outra das imagens que me sensibilizou imenso é logo a inicial que depois se alarga numa parte mais final do filme, é a imagem dele e de Pilar na montanha contra o vento… e o olhar dele é cheio de vida, de amor, provido do possível e do impossível de conter. Associo essa imagem à sua alma livre. Que não nos calem, que não tentem fazer-nos calar.
Este documentário é simplesmente sublime, conhecemos um José sensível, divertido, que não mede forças para ir a todos os lados em que o querem homenagear ou simplesmente requerem a sua honrada presença, por trás de um Saramago e uma Pilar nutrida de garra, sentido prático, organizado e eficaz por detrás de uma esposa que sempre o apoiou e nunca o deixou de amar (achei particular piada na parte do filme em que lhe oferecem a placa com o seu nome de rua e que lhe diz a Saramago: Na tua placa, abaixo do teu nome aparece “escritor”, espero bem que não se lhes tenha ocorrido colocar na minha “esposa”).

Deixo-vos com esta minha reflexão, algumas frases dos protagonistas do documentário e uns links acerca deles, deste amor, desta história de vida. No entanto, tudo pode ser contado de outra maneira.


Por Saramago:
«Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho»
«A língua portuguesa é a mais bonita do mundo»
«Aos 63 anos, a minha segunda vida começou. Não posso queixar-me. As coisas que você considera importantes não são tão importantes. Eu ganhei um Prémio Nobel. E daí?»
«Não temo a morte. O pior da morte – isso sim dói – é que a pessoa estava e de repente deixou de estar, se acabou. Creio que a esperarei muito pacificamente, tenho consciência de que a vida não pode ser muito mais longa. Terei mais três ou quatro anos, talvez menos, mas não há problema»
«Espero morir lúcido y con los ojos abiertos. No tengo miedo a la muerte. Miedo no, pero no me gusta nada. La muerte diferencia entre haber estado y ya no estar y eso me cabrea muchísimo»
«Nadie está completamente muerto los primeros nueve meses, como nadie está completamente vivo los primeros nueve meses»
«Me resulta difícil escribir una novela sin introducir una historia de amor, aun cuando se trate de amores infelices»
«Los optimistas no cambian nada, los pesimistas escépticos sí, las conciencias críticas mueven el mundo»
«Cuando la Tierra se acabe, que se acabará, no habrá frase ni eternidad. Y a lo mejor, si no se piensa en Dios, en cualquier dios, ellos dejarán de existir. ¡Qué alivio! Marx no me ha defraudado, Dios sí. Incluso llevó a su hijo a la cruz.»


Por Pilar:
«A sociedade actual ainda não se apercebeu que foi contemporânea de um génio»
«Mientras recordemos a las personas que queremos, éstas tienen una suerte de vida»
«José quería más tiempo. La muerte no es compasiva ni inteligente»
«Escribía para comprender, no le gustaba la idea de tener que morir»
«Soy vehementemente obstinada; lo que tiene que ser, es. Somos lo que hacemos, no lo que decimos. Las palabras sobran, aunque hable mucho y con pasión.»
«Las respuestas breves. Cuanto más breves, mejor para todos.»
«Nunca he tenido celos de nada ni de nadie. Saramago y yo nos encontramos en la edad madura y sabíamos compartir admiraciones, afectos, pasiones… eramos cómplices. No había lugar para los celos.»

Em resposta à seguinte pergunta:– ¿Cómo vivía la presencia de José?
«La del escritor, como un milagro. La del marido, como todas las parejas que se entienden.»


Página oficial:
http://www.josesaramago.org/detalle.php?id=1009

Página do facebook:
http://www.facebook.com/pages/Jose-e-Pilar/101129363285574

Páginas interessantes que falam não só do filme, mas também das suas vidas:
http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=940:a-pilar-de-saramago-&catid=53:marcos-afonso&Itemid=256
http://aeiou.visao.pt/jose--pilar-a-jangada-continua-de-pedra=f579799

Trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=-Xdt6eSh1Gc