segunda-feira, novembro 10, 2014
Novos encontros num novo blog
Aqui têm o meu novo blog acabadinho de sair do forno. Espero que gostem :)
De coração nas mãos
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
José e Pilar, uma história de vida e de amor
Num universo fora do âmbito profissional não costumo fazer críticas literárias nem cinematográficas, pelo menos não extensivas e escritas. Costumo escrever opiniões curtas ou frases onomatopeicas de deleite ou desilusão, revolta, etc.
Nunca me fizeram muito sentido, pois o que retiro dos livros e dos filmes [ou eles me oferecem] fica escrito no meu coração e nem sempre tenho palavras para descrever esses textos cravados em mim. Mas este documentário acerca do Saramago e da Pilar na fase em que escrevia “A viagem do elefante” fez-me chorar baba e ranho, por isso, pelo quanto me sensibilizou decidi escrever sobre ele. Não será uma crítica nem um resumo, pois não quero estragar a beleza do filme a quem ainda não o viu. Será mais uma descrição de como o meu olhar o sentiu.
«Nos encontraremos en otro sitio.»
É com esta frase que o filme começa e acaba e eu chorei ao ouvi-la, tanto na primeira como na última vez.
‘José e Pilar’ retrata a vida e a relação entre José Saramago e Pilar del Río. Mostra-nos o dia-a-dia do casal em Lanzarote, na sua casa, em Lisboa e no turbilhão de viagens por todo o mundo.
O filme foi realizado por Miguel Gonçalves Mendes e co-produzido pelos irmãos Almodóvar (El Deseo) e o director brasileiro Fernando Meirelles. Aqui vemos não só uma possível visão de uma fase da vida de Saramago, bem como “o José” de Saramago, e a Pilar del Río que foi definitivamente o seu pilar, como ele próprio lhe diz numa dedicatória num dos seus livros. É absolutamente envolvente a forma como tão bem se demonstra que eles viviam entrelaçados, como aqueles ramos de algumas árvores que se abraçam e apesar de existirem separados, a harmonia provém deles juntos. Uma passagem bonita do filme relacionada com este aspecto é uma parte em que inauguram uma rua, na sua terra natal Azinhaga, que cruza com a já existente José Saramago, com o nome de Pilar del Río. Pilar, que recebeu uma réplica da placa, expressou o seu desejo de que «todos os enamorados do Mundo se encontrem e dêem um beijo nesta esquina».
De facto eu concordo com a parte em que se diz que existiram dois Saramagos, um antes de Pilar e outro depois de Pilar, ou como ele disse: «A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar».
Existe uma enorme polémica devido ao facto de ele ter sido comunista e bastante duro aquando da sua vida por Portugal. Creio que, possivelmente, muitas pessoas o etiquetaram de “comuna arrogante, antipático e inacessível” e confesso que eu também tinha essa opinião quando me iniciei nas leituras dele. Separava o homem do escritor, porque, pensava eu, não gostava da pessoa que era o escritor, mas sim das suas histórias. Ao longo dos anos fui-me formando acerca dele, fui lendo umas coisas aqui, vendo outras ali e comecei a admirá-lo também como pessoa. Dói-me a alma porque se foi e senti uma sensação de vazio, abandono, tristeza no dia da sua morte.
E Pilar? Como será a vida de Pilar agora? A mulher cheia de garra, força, determinação. Uma mulher admirável, sem qualquer dúvida.
O amor deles não era cor de rosa, era real e o amor é mesmo assim, não é perfeito mas deve “funcionar” na perfeição. É dessa harmonia, desse equilíbrio – «Lanzarote me da aire, y Pilar, equilibrio…» (JS) – que nasce a felicidade de um casal. E eles formavam um casal e tanto. Se era fácil? Não acredito, mas eles faziam parecer que sim. Aquando da rodagem do filme ocorre-lhe a Saramago uma frase de uma beleza impressionante e chama por Pilar, diz-lhe que venha para junto dele que acabou de criar uma frase linda –«Yo tengo ideas para novelas, y ella tiene ideas para la vida, y yo no sé qué es lo más importante.»– ao que Pilar responde que as ideias para a vida são mais importantes, como já seria de esperar da parte dela. Ri-me tanto. A franqueza dela podia ter destruído aquele momento tão belo, mas não destruiu. Eles amavam-se tanto e isso nada podia destruir, nem a morte, nem um deus em que não acreditavam/acredita.
Há uma parte do documentário em que num fundo escuro se ouvem as suas vozes em tom de quem recita poemas ou declara o seu amor eterno e eles dizem: «Pilar, Pilar, Pilar, Pilar, Pilar…» / «José, José, José…» E a simples repetição, o tom de voz de ambos fez-me rebentar em lágrimas de novo.
Ao longo do filme ouve-se inúmeras vezes José a chamar por Pilar, uma delas no hospital num momento em que ela não estava. É como se ele já não existisse sem ela, e, mesmo quando fala da morte a sua maior pena é não poder passar mais tempo com ela. Classificando também esse amor como a sua possível salvação: «A nossa única defesa contra a morte é o amor».
Mais tarde chega mesmo a agradecer-lhe: «A Pilar, que não me deixou morrer».
É possível um génio ser tão simples e enternecedor?
Outra das imagens que me sensibilizou imenso é logo a inicial que depois se alarga numa parte mais final do filme, é a imagem dele e de Pilar na montanha contra o vento… e o olhar dele é cheio de vida, de amor, provido do possível e do impossível de conter. Associo essa imagem à sua alma livre. Que não nos calem, que não tentem fazer-nos calar.
Este documentário é simplesmente sublime, conhecemos um José sensível, divertido, que não mede forças para ir a todos os lados em que o querem homenagear ou simplesmente requerem a sua honrada presença, por trás de um Saramago e uma Pilar nutrida de garra, sentido prático, organizado e eficaz por detrás de uma esposa que sempre o apoiou e nunca o deixou de amar (achei particular piada na parte do filme em que lhe oferecem a placa com o seu nome de rua e que lhe diz a Saramago: Na tua placa, abaixo do teu nome aparece “escritor”, espero bem que não se lhes tenha ocorrido colocar na minha “esposa”).
Deixo-vos com esta minha reflexão, algumas frases dos protagonistas do documentário e uns links acerca deles, deste amor, desta história de vida. No entanto, tudo pode ser contado de outra maneira.
Por Saramago:
«Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho»
«A língua portuguesa é a mais bonita do mundo»
«Aos 63 anos, a minha segunda vida começou. Não posso queixar-me. As coisas que você considera importantes não são tão importantes. Eu ganhei um Prémio Nobel. E daí?»
«Não temo a morte. O pior da morte – isso sim dói – é que a pessoa estava e de repente deixou de estar, se acabou. Creio que a esperarei muito pacificamente, tenho consciência de que a vida não pode ser muito mais longa. Terei mais três ou quatro anos, talvez menos, mas não há problema»
«Espero morir lúcido y con los ojos abiertos. No tengo miedo a la muerte. Miedo no, pero no me gusta nada. La muerte diferencia entre haber estado y ya no estar y eso me cabrea muchísimo»
«Nadie está completamente muerto los primeros nueve meses, como nadie está completamente vivo los primeros nueve meses»
«Me resulta difícil escribir una novela sin introducir una historia de amor, aun cuando se trate de amores infelices»
«Los optimistas no cambian nada, los pesimistas escépticos sí, las conciencias críticas mueven el mundo»
«Cuando la Tierra se acabe, que se acabará, no habrá frase ni eternidad. Y a lo mejor, si no se piensa en Dios, en cualquier dios, ellos dejarán de existir. ¡Qué alivio! Marx no me ha defraudado, Dios sí. Incluso llevó a su hijo a la cruz.»
Por Pilar:
«A sociedade actual ainda não se apercebeu que foi contemporânea de um génio»
«Mientras recordemos a las personas que queremos, éstas tienen una suerte de vida»
«José quería más tiempo. La muerte no es compasiva ni inteligente»
«Escribía para comprender, no le gustaba la idea de tener que morir»
«Soy vehementemente obstinada; lo que tiene que ser, es. Somos lo que hacemos, no lo que decimos. Las palabras sobran, aunque hable mucho y con pasión.»
«Las respuestas breves. Cuanto más breves, mejor para todos.»
«Nunca he tenido celos de nada ni de nadie. Saramago y yo nos encontramos en la edad madura y sabíamos compartir admiraciones, afectos, pasiones… eramos cómplices. No había lugar para los celos.»
Em resposta à seguinte pergunta:– ¿Cómo vivía la presencia de José?
«La del escritor, como un milagro. La del marido, como todas las parejas que se entienden.»
Página oficial:
http://www.josesaramago.org/detalle.php?id=1009
Página do facebook:
http://www.facebook.com/pages/Jose-e-Pilar/101129363285574
Páginas interessantes que falam não só do filme, mas também das suas vidas:
http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=940:a-pilar-de-saramago-&catid=53:marcos-afonso&Itemid=256
http://aeiou.visao.pt/jose--pilar-a-jangada-continua-de-pedra=f579799
Trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=-Xdt6eSh1Gc
quarta-feira, maio 05, 2010
Ricardina
Ia trabalhar de segunda a sexta-feira num lar de idosos, onde amavelmente ajudava aquelas pessoas a esboçarem sorrisos mesmo quando sentiam o cemitério ali à porta e as rugas a engelharem-nas num caminho doloroso em direcção às covas. De segunda a sexta-feira das oito às cinco. Depois passava no mercado para comprar fruta e legumes, peixe ou carne. Essa rotina mudava no fim-de-semana, pois era aí que fazia “as compras da semana” no supermercado lá da terra.
Numa tentativa de preencher mais os seus dias sem “cobrar” tanto a presença do Zé começou a ir às segundas ao fim da tarde para o rancho cantar “modinhas” com as outras mulheres e às quartas até tinha começado a ir à natação porque dizem que faz bem ao reumático.
De segunda a sexta-feira por volta das oito da noite ia para a cozinha preparar o jantar e a marmita para eles os dois levarem no dia seguinte para a merenda da manhã.
Gostava de ter nascido rica, de ter mordomias como pequenos-almoços na cama com sumo de laranja natural, torradas com manteiga cara e uma flor, acordar tarde e a más horas com o Zé a dar-lhe um beijo em vez de o ouvir a ressonar quando se ia embora, muitas vezes ainda de noite, para trabalhar na vila.
As amigas diziam-lhe que não tinha motivos para se queixar, que era bom marido o seu Zé que trabalhava quase de sol a sol para ganhar mais uns trocos para poderem ir ao Alentejo apanhar sol todos os verões, e ela apesar de não o negar continua a dizer-lhes que sofria por ele não estar mais presente na vida dela. Tinha tempo para os jogos da malha, para a banda filarmónica, para ir ver a bola com os vizinhos e amigos, para ir passear o cão e para ela só tinha tempo para lhe agradecer pela comida e quando se sentia meio sensível se acocorar nela antes de dormir, muitas vezes porque já vinha bêbado perdido do tasco, a cantar todo alegre porque o seu clube tinha ganho.
Elas diziam-lhe que devia falar com ele, mas ela só tinha coragem quando chegava ao momento em que acumulava tanto que já mais pareciam grunhidos o que lhe dizia e fazia sofrer o pobre homem com isso. Ele não tem culpa, dizia. É um bom homem como vocês dizem. Eu é que sou assim, meia sensível. Uma delas dizia-lhe: – Então cala-te, oh mulher! Tu veste mas é uma camisa de noite rendada sem cuecas, que vais ver se ele não te resolve esses problemas todos das sensibilidades. E a Ricardina ria-se, meia envergonhada, e confessava que o homem quando queria isso ela até podia estar de gola alta que a atacava mesmo no alpendre se o deixasse. Uma vez ia partindo uma anca porque estava a estender as toalhas e ele ficou todo maluco por ver o meu rabo todo empinado, vê lá tu, dizia ela. E riam-se todas, com a mão a tapar a boquinha, porque até pensar nessas coisas era pecado.
Sempre tinha bons conselhos para dar às amigas, mas dar explicações ao seu coração tolo para se sentir menos solitário não conseguia. Um destes dias pego nas malas e vou-me embora, dizia. E que ganhavas tu com isso, oh Ricardina? – perguntava-lhe uma delas, enquanto bordava. Para ver o que ele sentia. Para ver se também gostava que o deixasse sozinho. Ia ficar danado o sacana, vais ver se não ia. E tu quê? Depois estavas menos sozinha? – perguntava-lhe outra. Sei lá, para ver se ele mudava e além das férias do verão no Alentejo arranjava tempo para mim de segunda à sexta e aos fins-de-semana um bocadinho também. – Deixa-te de coisas, mulher. Que já não és uma alface fresca e mais ninguém te pegava agora e olha que tens ali um bom homem e nestes tempos já não há cavaleiros que vão atrás de ti à tua procura. Fica mas é quietinha e agradece a Deus por teres um homem que te aqueça os presuntos de vez enquando e te diga que a comida está nos conformes – diziam-lhe.
E a Ricardinha sentia-se pequenina, com vontade de chorar sem saber muito bem porquê, se por aquilo ser verdade e ser ridícula a sua dor ou por não ter coragem de pegar nas malas e ir dali embora.Vou morrer sozinha, pensava. Sozinha como vivi.
[Significado do nome Ricardina: Para resolver os problemas dos outros age com muita sabedoria, já quando o problema é seu tende a sentir-se desnorteada. Isso acontece porque se sente mais confortável em decidir as coisas sempre com a cabeça fria. Mas o seu coração intromete-se sempre no meio das dúvidas, e tornando mesmo difícil a toma de decisões. Deveria controlar a ansiedade nestas horas e não ter medo errar.]
sexta-feira, abril 16, 2010
Parto homicida
Um dia mato o teu nome.
Rasgo-o da minha garganta e apago a tua existência [em mim].
Um dia esquecerei que tu e eu já fomos siamesas e tivemos o mesmo coração, amor e angústias. Um dia esquecerei as tuas [im]perfeições e deixarás de ter importância para mim. Um dia deixarei de tentar lutar contra a ideia de que sempre foste e és melhor que eu. Um dia tentarei olhar-te como humana e não como ora deusa ora besta.
Um dia esquecerei que a minha palavra “amo-te” te foi prometida para a vida toda e que tive que ta arrancar com os dentes como um lobo que devora a sua presa. Um dia perdoar-te-ei por tudo o que era meu e me roubaste e pedir-te-ei perdão por tudo o que te tirei e não me pertencia. Um dia aceitar-te-ei como és.
Um dia cruzarei os meus olhos com os teus, abraçar-te-ei e chorarei tempestades abraçada a ti por todos aqueles soluços que tentámos calar ao longo dos anos, em vão. Um dia construirei a minha arca de Noé e, nesse dilúvio dir-te-ei adeus. Um dia.
Um dia. Um dia. Nesse dia deixarei de tentar alcançar-te e superar-te, deixar-te-ei afogar junto com o passado e ao atingir a bonança no meu mar de pensamentos e sentimentos serei uma fénix renascida. E tu, tu não serás nada. Nem o teu nome que matei.
sábado, fevereiro 27, 2010
Bárbara
A chuva transbordava pelas bordas dos corações perdidos em ruas estranhas. Tudo era novidade e a euforia misturava-se com o medo mais facilmente do que o leite com o café.
Uma mala transbordava as memórias das últimas tendências de Paris, e, nas ruas de Lisboa o brilho dos sapatos purpurina não combinava muito com os gritos de angústia da calçada fria.
Bárbara era bailarina desde criança, participou em espectáculos desde a dança dos Cisnes até aos mais recentes ritmos de Hip Pop; aprendeu a pintar aos 14 anos quando emergiu da sua adolescência uma necessidade gritante de expor a forma como via o mundo.
Deambulou pelas ruas de Praga tentando dançar com as estátuas de Kafka, viveu em Londres até o céu cinzento lhe substituir todas as cores dos seus pincéis, embriagou-se de palavras e poemas gritantes pelas ruas de Verona até que um dia chegou a Lisboa.
Com meia dúzia de trocos no bolso pediu emprego e dormida numa pensãozeca na rua Augusta. Tinha um corpo esguio e frágil, uma cara delicada em tons de porcelana e o olhar meio perdido. Os donos concordaram em silêncio e estenderam-lhe a chave para quatro paredes por pintar com uma cama e um candeeiro foleiro, e um contrato de oito horas diárias com folgas rotativas.
Bárbara saída todos os dias com ânsia de respirar aquele sentimento de "Saudade" só existente naquelas ruas portuguesas, pensou "vou ficar aqui para sempre", pensava reviver aí o prazer do amor sofrido que as calçadas quebradas lhe confessavam. Pensava ser capaz de se alimentar daquele sentimento, sem precisar sequer dos trocados que os donos da pensão lhe pagavam.
Escreveu gritos, gemidos de prazer ali e balbuciava sempre algo que lhes parecia sempre romântico só por ser dito num tom francês.
Escreveu as suas mágoas em corpos vazios de amor, tentou encontrar as palavras que a fizessem ficar ali, mas por muito que dominasse o idioma sempre seria uma "estrangeira", mesmo que se vestisse dos melhores dicionários que a fnac oferecia já com o Acordo Ortográfico integrado.
Um dia guardou nas suas malas a dança, as pinturas e os livros que escreveu e decidiu voltar a Paris.
Ao chegar perguntou a um estranho se sabia qual era a linha para a Av. Champs Elysées e ele depois de amavelmente lhe ter dito perguntou-lhe se queria que lhe indicasse alguns dos ex-líbris da cidade. Ela sorriu, meia apagada, e agradeceu dizendo que não.
Naqueles anos muitas coisas tinham mudado, também o seu sotaque além das linhas do metro e dos edifícios mais "in" de Paris. Ela baixou a cabeça e olhou para a mala, aí soube que a partir do momento em que saiu dali passou a ser uma estrangeira para sempre, até no seu próprio país.
Bárbara: (Greco-latino) - Estrangeira, estranha, que balbucia, que gagueja por medo.
Significa estrangeira e associa-se a uma pessoa original, que está sempre em busca de novidades. Por isso, quando sente que as suas tarefas estão a tornar-se rotineiras, trata logo de mudar de actividade. Criativa, pode fazer sucesso nas artes ou na literatura, mas não se preocupa muito em ganhar dinheiro com isso.
Pic: La passage
sexta-feira, janeiro 22, 2010
Amor
sexta-feira, novembro 20, 2009
Margaret
Sonhei contigo, Margaret. Já não pensava em ti há tanto tempo. Acho que de por tanto tempo dividirmos o mesmo homem acabei por te amar também a ti, como mulher. Tantas noites partilhámos a mesma cama, os mesmos gritos de prazer, as mesmas súplicas, o mesmo desespero, o mesmo êxtase, os mesmos sonhos inseguros, os mesmos sorrisos com o medo que os tivéssemos a roubar uma à outra. Amei-te, sim, Margaret. E não te consigo esquecer.
Lembras-te de quando lhe pedias para não parar e ele te dizia que eras perversa e tu o espremias entre as coxas torturando-o de prazer? Amei-te tanto como te odiei nessas noites e naqueles orgasmos que ele me deu sei que também eram teus e tinha raiva e ódio de mim, de ti, dele, de nós os três. Raiva e prazer nesses orgasmos.Queria-o tanto [só] para mim e tu [só] para ti, mas ele era nosso Margaret, era nosso. E nós a duas éramos [só] dele, as duas, [sós] para dele.
Aquele olhar enfeitiçado, embevecido quando me[te][nos] olhava era capaz de num segundo levar o meu[teu][nosso] mundo à perdição outras ao Paraíso. Lembro-me de como ficava todo vaidoso quando nos levava a um bar e nos embonecávamos todas, tentando equilibrar o nosso glamour entre saltos altos que se prendiam nos paralelos das ruas estreitas. Ele tentava caminhar mais devagar ou ia olhando de soslaio por trás dos nossos ombros para logo se perder, maravilhado, a olhar para a forma como as nossas nádegas se passeavam sublimemente ao som dessa música de clock, clock, clock...
Às vezes acho que ficava um pouco indeciso. Não entre nós as duas, mas entre o ondular dos nossos peitos e o das nossas nádegas. E parava. Sorria meio atrapalhado, e muito decidido colocava a mão direita na mama esquerda e a mão esquerda na nádega direita. E via-se feliz.Ele era feliz connosco, Margaret. E nós matámos este amor tentando separar metade dele para cada uma de nós. Matámo-lo Margaret. E agora ele já não é nosso, não é teu, não é meu, não é seu. Morreu, como uma flor arrancada da terra. E agora somos só[s] nós.
Ver também nesta Sequência de Contos, Edna e Leila
Pic: Geometry of relations by eugenebuzuk